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extéril - antónio de sousa

Inauguração / Opening

20 - 06 - 2009

Extéril
22h Sábado / 10pm Saturday

ANTÓNIO de SOUSA

"Acerca da sobrevivência"


Na exposição acerca da sobrevivência, o espaço expositivo e a obra coincidem
num mesmo propósito e num mesmo destino. Num contexto politico, económico e
cultural de crise, já de si adverso à experiência, este simbiótico corpo sobrevive devido
à sua estranha natureza e à sua incessante deriva.

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António de Sousa (Matosinhos, 1966) vive e trabalha no Porto.
Licenciou-se em Artes Plásticas-Pintura, na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1994.
Expõe desde 1993, tendo realizado várias exposições individuais e participado em diversas
exposições e projectos colectivos dos quais se podem destacar: 1995 Bienal de Arte Jovem
(integrando a representação da Fundação de Serralves), Forum da Maia;
1997 II Bienal de Arte de Famalicão - Em torno de Camilo, Fundação Cupertino
de Miranda, Famalicão; 1998 O Império Contra Ataca, Galeria ZDB, Lisboa;
La Capella-Institut de Cultura, Barcelona; 1999 Arte Portuguesa dos Anos 90 na Colecção
da Fundação de Serralves, Casa da Cultura, Paredes; 2003 Un Petit Artiste Engagé,
Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), Coimbra; 2004 Proximidades e Acessos,
Culturgest, Porto; 2006 Teleférico 1 – Cais de embarque, Teleférico, Guimarãe;
2006 Déjeuner chez Darwin et Baumgarten, Sala de Espera, Guimarães;
2008 Uma Exposição sem Qualidades, Uma certa falta de coerência, Porto;
2009 Está a morrer e não quer ver, Espaço Campanhã, Porto.


+ info:

anamnese.pt

braço de ferro editora.net


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A galeria enquanto jangada: um projecto de António de Sousa
Aos 27 anos, Henry David Thoreau decidiu construir uma cabana nas margens do lago glaciar Walden, onde viveu isoladamente durante dois anos, entre 1845 e 1847. Dessa experiência resultou aquele que é o seu livro mais conhecido: "Walden ou a vida nos bosques" (Antígona, 2009), publicado em 1854. Como nota Júlio Henriques, é nesse território que o escritor norte-americano irá aprender "que a arte de escrever e a arte de viver são inseparáveis." O responsável pela revisão e adaptação do livro para português, trabalho realizado a partir da tradução de Astrid Cabral, sublinha ainda que neste texto Thoreau se mostra "como exemplo de uma possível vida vivida 'com simplicidade e inteligência'."

Próximo de Emerson, a quem pertencia o terreno onde ergueu a cabana, e do pensamento transcendentalista, Thoreau escreveu ainda "A desobediência civil" (1849), texto onde descreve a sua passagem pela prisão após ter recusado pagar impostos, uma atitude justificada pela sua posição contrária quer à guerra que opunha os EUA ao México, quer à escravatura. Essa experiência levou-o a reflectir acerca das relações entre o indivíduo e o Estado, propondo o direito à auto-governação como modo de enfrentar os abusos e injustiças do poder. O ensaio, que se inicia com a célebre frase "o melhor governo é o que governa menos", inclui ainda uma passagem onde Thoreau afirma: "Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também na prisão"

Estes dois textos encontram-se entre o material utilizado por António de Sousa (Matosinhos, 1966) para preparar a intervenção que apresenta na Galeria Extéril, um projecto de Teixeira Barbosa com dez anos de existência e sintetizado na frase "produzir o máximo com o mínimo" - o ponto em comum entre os trabalhos mostrados é uma estrutura portátil, um cubo com 2x2x2 metros; até 2005, as exposições tinham lugar numa antiga fábrica ocupada, situada na zona do Marquês, no Porto. Intitulada "Acerca da sobrevivência", a proposta actual pretende dotar o espaço expositivo de uma imaginada mobilidade - a arquitectura pré-existente foi colocada sobre paletes de madeira, às quais o artista adicionou outros materiais (fios, garrafas de água em plástico, uma cana com uma camisa a desempenhar a função de uma bandeira, etc.), de modo a sugerir uma jangada.

Segundo Michel Foucault, o barco, pedaço flutuante de espaço, é a heterotopia por excelência; é aí, nesse lugar de contestação não só mítica, mas também real dos territórios em que vivemos, que se situa, desde o século XVI, a "maior reserva de imaginação." Através da transformação da galeria em jangada somos convidados a ocupar um lugar vazio, o do náufrago. Pensar a partir dessa condição extrema e tantas vezes solitária - o filósofo alemão Hans Blumenberg define a modernidade como "naufrágio com espectador", título de um dos livros (Veja, 1990) - potencia o aparecimento de imagens provenientes de acontecimentos que vão do desaparecimento no mar da fragata Medusa, assunto pintado por Géricault entre 1817 e 1818 aos balseros cubanos, passando pelas tentativas de travessia do estreito de Gibraltar por cidadãos africanos que desejam trabalhar na Europa.

A jangada parece assim assumir não só uma função de espaço de resistência - é nessas construções precárias que os sobreviventes aos diferentes desastres jogam as suas vidas -, mas também de comentário ao actual momento da arte, cada vez mais necessitada de um lugar solitário, flutuante ou não, para evitar o naufrágio presente, entrevisto nas diferentes formas como hoje o fazer artístico se confunde, é confundido, com objectivos alheios - o turismo cultural, as indústrias criativas, os leilões, os fundos de investimento, os prémios patrocinados, a decoração de hotéis, a gastronomia, etc. Como escreve António de Sousa no curto texto que associa à sua intervenção: "Num contexto político, económico e cultural de crise, já de si adverso à experiência, este simbiótico corpo sobrevive devido à sua estranha natureza e à sua incessante deriva."

Por / By
Óscar Faria
Jornal Público
08/07/2009

Curadoria de
Curated by
Teixeira Barbosa
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